“Há muito tempo, eu vivi calado,mas agora resolvi falar. Chegou a hora, tem que ser agora”. Os versos da música famosa na voz de Roberto Carlos são um manifesto para Aldeni B. da Silva, 55 anos. Ao ver a câmera, ela colocou os óculos escuros e a performance teve direito a guitarra imaginária e final se jogando no chão. Aldeni é uma das pacientes do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Casa Forte e do Núcleo de Atenção Psicossocial de Pernambuco (Nappe) que vai participar nesta quarta, às 19h30, da encenação Diário de um louco (R$ 10 e R$ 5), texto de Nikolai Gógol, no Teatro Barreto Súnior (Rua Jeremias Bastos, Pina). O ator Carlos Mesquita, que assumiu a direção do projeto, divide o personagem principal com 15 portadores de transtornos psicóticos graves.


“Comecei o trabalho com eles em uma oficina de literatura, mas aí veio a ideia de fazer essa peça, que eu já apresentava. Tenho mais de 30 anos de teatro e nunca tinha vivivo essa experiência. Mas quando estou com eles, para mim são todos profissionais e isso tudo gera grandes resultados”, conta Mesquita.

Nas coxias do Teatro Barreto Júnior, no ensaio geral semana passada, fomos abordadas por Célia Cunha, 46 anos, que queria ser a repórter. Uma resposta rápida, consigo reverter a situação. E ela nos conta com tranquilidade que viveu 15 anos no manicômio, mas que as artes plásticas e agora o teatro fizeram com que ela descobrisse talentos e lidasse com a depressão. Continua dizendo que o papel dela é a Flor do Mamulengo. Daí a pouco, está dançando e cantando como uma boneca-robô. “Se no teatro eu não te achar, boneco juro vou me despedaçar. Eu não consigo viver sem teu dengo, meu mamulengo”.

Os aplausos são divididos por gritos de como todos são “chique, chiquérrimos”. A frase é a preferida de Júlio César Lopes, 33 anos. De paletó e gravata, ele diz que está adorando o teatro, que tem dificuldade de aprendizado e logo depois repete o bordão: “Você vai ver, né? Somos atores, chique, chiquérrimos”. A mãe de Júlio César, Maria Alzimere, 68 anos, estava na plateia. “É bom para mostrar à sociedade que a esquizofrenia não pode ser enxergada com preconceito”.
Vanilda Guimarães Baldé, 39 anos, também fala de preconceito. No ensaio, ela assumiu o papel de maquiadora, além de ser uma das atrizes principais. “Para mim é uma honra ter sido convidada. São quatro ou cinco papéis, mas estou tentando, porque tenho apagão de memória”, conta a atriz. Depois de dizer como ama a vida e a arte, ela muda o tom. “Queria que os remédios fossem melhor, para que a gente não se transformasse em robôs da nação. Que tivesse mais psiquiatra nos postos de saúde. E que a nossa sociedade doente intelectual fosse mais respeitada. Nós somos humilhados e descartados pela sociedade, que nos deixa cada vez pior, porque chama a gente de louco. Mas não somos loucos, somos seres humanos como eles”. Recado dado, chique, chiquérrima.

Depoimentos

"Vivi no manicômio por 15 anos, até quando apareceu o hospital (Caps e Nappe) para eu começar a me tratar lá. Descobri o talento para a pintura, fiz uma exposição e vendi quase tudo. Agora estou muito contente de estar no teatro"
Célia Cunha, 46 anos

"Tenho transtorno bipolar e sou esquizofrênica. Tomo 24 comprimidos por dia. Tenho dois filhos e dois cães. Adoro maquiagem, adoro festa, adoro cantar. Toco violino, adoro a vida. Queria que a nossa sociedade ‘doente intelectual’ fosse mais respeitada"
Vanilda Guimarães Baldé, 39 anos

Por Pollyanna Diniz, do Diario de Pernambuco

1 Response for the "Portadores de transtornos psicóticos participam de peça teatral nesta quarta"

  1. Anônimo says:

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