Agência Brasil
Brasília - A Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216), criada em 2001, promoveu uma revolução no tratamento de pessoas com transtornos mentais no país. Depois de nove anos de implantação, as mudanças começam a se consolidar com o fechamento de grandes hospitais psiquiátricos, mas a rede substitutiva está muito aquém da demanda gerada pela reforma, afirmam especialistas.
A lei regulamenta os direitos do portador de transtornos mentais, veta a internação em instituições psiquiátricas com característica de asilo e cria programas que propõem um tratamento humanizado. Nestes nove anos, foram fechados 17.536 leitos em hospitais psiquiátricos. Ainda restam, no entanto, mais de 35 mil.
Além do fechamento dos leitos, os hospitais psiquiátricos estão ficando menores. Em 2002, apenas 24,11% das vagas estavam em hospitais de pequeno porte (até 200 leitos), hoje são cerca de 50%. O programa consiste no incentivo, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para que os hospitais de grande porte (acima de 400 leitos) e de médio porte (acima de 200 leitos) reduzam essas vagas progressivamente.
O Ministério da Saúde criou um tripé de desinstitucionalização psiquiátrica no Brasil: os centros de Assistência Psicossocial (Caps), as residências terapêuticas e o programa De Volta pra Casa.
Atualmente, há em todo o país 1.513 Caps. Existem ainda 564 residências terapêuticas (dado de maio deste ano) onde vivem pessoas que saíram dos manicômios e perderam seus vínculos familiares. Além disso, 3.445 pacientes que foram internados por mais de dois anos em hospitais psiquiátricos são atendidos pelo programa De Volta para Casa e recebem mensalmente um auxílio-reabilitação no valor de R$ 320.
Paralelamente ao fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos, a reforma propõe a abertura de vagas em unidades de saúde comuns. Nesses espaços, conhecidos como hospitais gerais, as pessoas com transtornos mentais são atendidas em momentos de crise e não ficam internadas por longos períodos, como ocorria nos antigos manicômios.
Para o vice-diretor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Ileno Izídio da Costa, a reforma é um caminho sem volta. Ele defende a necessidade de mais investimento para a área e a qualificação de profissionais.
“É preciso aumentar os recursos para a saúde mental. Se pensarmos que deve haver um Caps para cada 100 mil habitantes e que o Brasil tem cerca de 200 milhões de habitantes, então, 1,5 mil Caps é muito pouco. Obviamente o país todo não está coberto”, afirma.
A secretária executiva da Rede de Internúcleos da Saúde Mental (Renila), Nelma Melo, também critica a demora na implantação da rede substitutiva. “A gente vê os avanços, mas não podemos continuar a conviver com esses modelos, completamente antagônicos, o manicomial e o que vem para substituí-lo”, disse.
O coordenador de Saúde Mental, Álcool e Drogas do Ministério da Saúde, Pedro Gabriel Delgado, reconhece que é preciso avançar na ampliação e qualificação dos mecanismos de substituição para consolidar da reforma.
“A cobertura em saúde mental é ainda insuficiente em vários estados. Alguns Caps precisam ser mais bem qualificados, precisamos melhorar a articulação da nossa rede com a de urgência e emergência e ampliar muito as ações de saúde mental no âmbito da atenção básica”, destaca.
A Lei de Reforma Psiquiátrica levou 12 anos para ser aprovada no Congresso Nacional. Ela alterou o modelo de tratamento de pessoas com transtorno mental no país, nos moldes do que foi feito, na década de 70, em países como a Itália – que inspirou a reforma brasileira –, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos.
De acordo com vice-diretor do Instituto de Psicologia da UnB, a reforma brasileira é a mais avançada da América Latina. “Segundo a Organização Mundial da Saúde [OMS], o Brasil é protagonista de uma reforma diferenciada em relação à saúde mental”, destaca.
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